Luciano Potter: “O jornalismo é um destruidor de monstros!”

Matheus Müller
11 min readNov 13, 2020

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No início de sua carreira, Luciano Lopes era um nome disputado nas redações. Em função do seu cabelo liso, óculos arredondados e baixa estatura tornaram Luciano da Silva Lopes em L. Potter — uma referência ao bruxo Harry Potter. Hoje, conhecido por Potter em todos os cantos do Rio Grande do Sul, é referência de jornalismo no Grupo RBS. Ele que é jornalista, podcaster, produtor e bom de papo, em uma rápida conversa trouxe toda sua cancha de programas do rádio e televisão como Patrola da TVCOM e Pretinho Básico (PB) na Atlântida FM, para uma aula de jornalismo. Atualmente, é participante ativo do Bola nas Costas (Bola) e Timeline Gaúcha, ambos da Rádio Gaúcha. Além de ser apresentador em seu podcast Potter Entrevista.

Apesar de ser um profissional com a agenda apertada, Potter prontamente topou essa conversa. O bate papo vai estar aqui embaixo, espero que aproveitem.

O jornalismo especializado vai acabar?

Luciano Potter: Cara é difícil de responder isso, o que eu noto é que tem espaço pra todos. Não tem uma resposta só pra isso, o caminho natural do jornalismo é a pessoa cobrir situações. Quanto mais especializado ele está, mais preparado ele está para aquilo, mas mesmo a editoria de geral não engloba tantas coisas, porque vai ter editoria de esportes, moda, economia, etc. Eu falo do jornalismo puro, que aparece nos jornais todo o dia. Não é entretenimento, não é esporte. O jornalista é o cara que não sabe de nada e vai perguntar pra quem sabe de alguma coisa. Esse é o trabalho mais cru possível. Se a pauta é “eles vão construir aquela ponte” então vou falar com o secretário tal, se é a outra cidade que vai construir tem que falar com os outros secretários, falar com os engenheiros responsáveis, com os vizinhos, e a matéria vai se formando e tem uma história pra contar ali.

Eu não consigo ver uma universalidade nos profissionais, acho que cada vez mais o jornalismo está mais nichado. Principalmente na internet, que é o novo empreendedorismo do jornalismo. Lá não necessariamente precisa ser jornalista pra entreter, pra falar de esportes, pra até falar de política e economia. A pandemia nos mostrou algo meio óbvio, que tava esquecido, mas na hora que o bicho pegou, na hora que as pessoas precisavam descobrir que doença era essa, as audiências de todos os veículos tradicionais de jornalismo aumentaram, ou seja, as pessoas confiam muito no jornalismo. Ao mesmo tempo esses veículos têm menos pessoas, essas pessoas têm cada vez mais coisas pra fazer. Especialização faz bem. E a gente consegue ver isso muito bem em influencers, que não são necessariamente formados em jornalismo, mas que tem um foco.

Multifunção é diferente de especialista?

Potter: Uma coisa é multifunção, especialista é outra. Tu podes ser alguém que faz vídeo, faz áudio, faz podcast, tira fotografia, edita, faz o design e posta tudo isso. Hoje em dia o jornalista precisa ter mais ferramentas. Agora, não sei se vai ser o cara que vai só falar de política. O meu caso é exceção, e eu não falo exclusivamente de política. Eu sou muito mais apresentador ou participante. O PB é entretenimento, o Bola é futebol, e o Timeline que é o mais fora da curva assim é um jornalismo com pautas leve, que de vez em quando transforma as mais pesadas em leves. Numa semana a gente falou com a Damares Alves, com o Mauricio de Souza, e o Ary Fontoura. Um programa que tem uma diversidade, ai sim tem um jornalismo mais incorporado. Que mesmo que seja com o Ary Fontoura que é mais focado em redes sociais tem um estudo, um preparo.

Como funciona esse preparo?

Potter: Internet.

Olha o nome do entrevistado e procura no Google?

Potter: É que assim, no Timeline nós temos pautas. A pauta é a pessoa, então normalmente o que precisar é estudar a vida dela. Pegar algo que está rolando no momento, por isso o nome do programa é Timeline. Nós já temos tudo isso definido. Por exemplo: a Damares Alves. Ela já entrou umas cinco vezes com a gente. Foi pra gente que ela falou que foi estuprada ia pra goiabeira e lá tinha encontros com Deus. Porque ela falou aquilo? Nós tínhamos uma pauta com ela, e ai ela contou isso pra nós. A última vez foi muito mais sobre a menina que tinha sido estuprada pelo tio e abortou em recife. A partir dai surgiu à matéria da Folha de São Paulo dizendo que a Damares tinha tentado levar a menina para o interior de São Paulo ter o filho lá. A pauta foi essa e só falamos sobre isso. Então fica mais “fácil”. Óbvio que tem memória, outras fontes e tudo isso ajuda, ainda mais numa entrevista ao vivo que todo mundo tá escutando todas as sílabas.

Então esse sim é um programa que eu precisei mudar meu dia a dia, me adaptar a algumas situações. Porque antes eu só fazia o Bola e o PB. Fazia o Patrola, que também era entretenimento. Então é isso, não sei se isso acontece com todo mundo, pelo menos assim de primeira.

Pra quem tá iniciando vale mais a pena focar em algo específico ou é melhor saber de tudo um pouco?

Potter: Cara, infelizmente no começo não tem o que fazer, obviamente, a grande diferença de quando eu entrei no mercado de trabalho, em 2002, é que não tinham redes sociais. Não existiam canais de comunicação, o único canal que existia era o CNPJ que tava me contratando, só ali eu conseguiria colocar a minha voz. Hoje isso mudou, tem como testar isso desde que se tenha uma noção de fazer um videozinho. Então tem como sair da faculdade com um canal já consolidado, um podcast, ou um perfil bem atento a algum assunto. Tem como chegar no mercado muito mais preparado. Com muito mais ferramentas, dicção, noção de enquadramento, design. Essa é a grande diferença da minha geração pra geração de vocês. Antigamente eu precisava entrar num canal, hoje em dia eu posso criar meu canal do zero. Isso é uma vantagem gigante. E uma vantagem que tu já sai sendo empreendedor. Que a internet é cada vez mais nichada e existem influencers com três milhões de seguidores e eu nunca ouvi falar. Eu não to falando que isso é jornalismo, mas isso é comunicação. Pessoas se comunicando e outras pessoas consumindo. Essa é a grande mudança. Tem cada vez mais espaço pra empreendedorismo.

O problema é que todo mundo pode fazer isso, numa “super dosagem” digamos assim, só ver o número de influencers e comunicadores, ai que é a diferença, o que é bom ou ruim? Eu vejo muito mais como quem consegue criar um público. Eu posso ver uma influencer de moda e não gostar do conteúdo dela, mas ela tá lá com três milhões de seguidores. E daqui a pouco ela nem se formou em jornalismo, se formou em design, administração, largou a faculdade de direito no meio. Isso sim ficou bagunçado. E isso é bom pros futuros jornalistas. Ao mesmo tempo em que os clássicos CNPJ estão cada vez mais com menos jornalistas. Então a grande oportunidade acaba sendo de ser um empreendedor.

Queria pegar o gancho de dar espaço pra todo mundo. O jornalismo querendo ou não tem um pouco disso que é aquela coisa de “entrevistar um terraplanista, ou antivacina”?

Potter: Isso é uma grande discussão. Geralmente essa discussão é frágil, porque ela é rala, quase como tudo na internet, infelizmente. Por exemplo, o Potter Entrevista, que é o podcast que eu faço. Ele é um perfil sobre aquela pessoa, tipo o que a Piauí faz, o que a New Yorker faz. Não to falando que eu consigo fazer com a categoria que eles fazem, mas eu vou ali e exponho a pessoa. Eu pego um tema e exponho a opinião da pessoa. Ela, com a voz dela, fala tudo que pensa sobre aquele assunto. Aí eu dou de presente pra humanidade o que ela pensa. Entende? E o que passa na cabeça de um terraplanista? Eu sou muito curioso. Podem falar “Ah não, mas tu vais dar espaço e essa pessoa vai transformar outras pessoas em terraplanistas.” Ai o problema não é meu, é um problema de educação. Ai o problema é do país, o problema é dos pais.

Como comunicador este é o teu papel, mostrar a realidade.

Potter: “Ah, mas ele é um imbecil, Potter.” Sim, tu tá chegando à conclusão que ele é um imbecil, ou ratificando a conclusão que ele é um imbecil depois de ouvir a entrevista. Então, tu teve mais certeza sobre o que pensa depois de ouvir a pessoa. “Ah, mas isso pode fazer um mal pra humanidade” até usam Hitler como exemplo. Chegou em Hitler acabou a discussão, quer dizer, não teve discussão. Agora, eu imagino que muita gente queria ver o que se passava naquela cabecinha monstruosa, lá na década de 30, no comecinho de tudo na década de 30. “Ah, mas tu tá dando espaço para ideias nazistas”, elas aconteceram. Foi porque alguém entrevistou ele?

Pelo contrário, talvez seja porque alguém não o entrevistou.

Potter: É muito complexo, o nazismo nasce por uma junção de complexidades daquela época, o que tinha acontecido na primeira guerra mundial, crise interna, uma crise de identidade depois de uma derrota em uma guerra gigantesca e mortal. Não foram os jornalistas que ouviram Hitler que fizeram o nazismo crescer, tem esses exageros. O jornalismo ajuda a entender, ouvindo personagens históricos. Quando olhamos um documentário sobre alguns personagens controversos, sei lá, um racista do passado. Ai tá lá ele com um jornalista, em uma tv americana, dando uma entrevista. E naquela entrevista que ele fala que é racista e etc e tal, bom, tá aqui o documento. Ainda bem que um jornalista um dia ouviu pra mostrar pra sociedade que aquele cara é um filho da puta e hoje com uma distância histórica tu pode mostrar pra geração atual que existia um filho da puta, que fez isso e aquilo, e tá aqui, de acordo com as palavras dele, graças ao jornalista. Então é muito curto o pensamento de alguém que não dá pra dar espaço.

Ouvimos recentemente o Roberto Jefferson. O Bolsonaro tinha se aproximado do PTB, que é o partido dele. Bolsonaro tá sem partido, né, se aproximou do PTB. O PTB é um clássico partido do centrão e o Roberto Jefferson é o dono do partido. Pô, vamos ouvir o Roberto Jefferson, tem uma pauta jornalística ali. Ai no meio da entrevista lemos uns tweets dele em que ele falou uma barbaridade xingando o STF e falando que “a toga não é maior que o fuzil”. Tipo: “os caras do STF que se cuidem que daqui a pouco vamos fazer uma ditadura militar pra calar o STF”. Uma barbaridade. O cão progressista disse: “como é que vocês do Timeline ouvem essa pessoa?”. E eu bem quietinho, nem dando bola pra eles. Uns dois meses depois, tem um processo contra o Roberto Jefferson e muito do que foi usado no processo, foi dos assuntos que ele tava defendendo e que ele também usou o Timeline pra falar. Tem uma infantilidade nessa crítica que é a de achar que as pessoas não tem discernimento de concatenar uma ideia. A grande maioria das pessoas que ouviu o Roberto Jefferson falando que a toga não era maior que o fuzil pensou “que coisa mais imbecil essa frase”. “O CQC elegeu o Bolsonaro”. Cara, o Bolsonaro se elegeu por questões absurdamente mais complexas, por um partido que adentrou um caminho de irregularidades éticas, um desgaste desse partido, porque o Brasil sofria com insegurança e ai apareceu um gritão falando um monte de merda, falando que ia acabar com isso. Enfim, são 76 razões pro Bolsonaro ter ganhado e tem jornalista que ainda não entendeu o porquê ele ganhou.

Então, o jornalismo não é vilão, ouvir pessoas não é o problema da sociedade, ainda bem que a gente pode ouvir pessoa na sociedade. Por isso que eu acho que é uma discussão riquíssima. As pessoas dizem que são democráticas, mentira! Elas primeiro escrevem o que é a democracia delas, querem a democracia delas. O mais triste que eu tenho pra falar pra elas é que se tu escolhes a tua democracia, ela não se chama mais democracia. A dureza da democracia, a dor da democracia e o cerne da democracia é a sociedade que tu vive ser democrática, é poder estar ali, com voz, com liberdade, imbecis que tu discorda falando a vontade. Isso é um ambiente democrático. É uma pena que, às vezes, pessoas absurdamente inteligentes que querem uma sociedade melhor, não enxerguem isso.

E isso te gera bastante hate (em inglês “ódio”, quando um grupo de perfis faz algum tipo de linchamento virtual) não é?

Potter: Tem o hate frágil, que é o hate do dia a dia. Hoje muito mais de bolsonaristas. Infelizmente é uma coisa tão boba. Mas ai também tem que ter filtro. Tenho que aprimorar o meu filtro, porque também chegam coisas interessantes, pessoas inteligentes, com críticas legais. Então, acho que a culpa é muito mais de quem tá ali, filtrando no caso, que das minhas redes sociais. Eu não tenho uma equipe, eu não tenho nada perto disso, então dali eu tento tirar o joio do trigo, entende? Complicadíssimo. Pega um tweet meu e vai olhar as respostas, eu vou ali, um ou outro eu respondo, muito mais em tom de brincadeira. Os caras não entendem, vem os outros e se metem, “não pode falar nada contra o Potter”. As pessoas leem as coisas conforme elas são.

Essas críticas te afetam de algum jeito?

Potter: Afetava mais. Tem críticas que às vezes que são pessoais. As que incomodam geralmente vêm de pessoas que conheço. As críticas bolsonaristas, elas são muito mais guturais, xingam a minha mãe, que eu sou um filho da puta, etc. As críticas progressistas elas têm uma empáfia. Algo como: “eu já saquei o mundo, já to pronto, tudo que eu sei é o que é, se alguém desviou um pouquinho do que eu sei tá errado” e tem uma pompa. Tem um textão, Um ar meio superior: “como é que pode ter espaço na grande mídia uma pessoa que não consegue concatenar as ideias e dar espaço para turbas que rompem com o processo democrático” um texto todo rebuscado dizendo que olha, tu pensa diferente de mim, tu é imbecil. Não tem nem discussão pra essas críticas. Mas no meio disso tudo, de vez em quando surgem correções. “Potter, olha só cara, na real tu deu essa opinião, mas tem esse cara aqui que escreveu esse artigo que tem essa opinião diferente.” Ai tu “Pô, que do caralho. É verdade cara. Vou repensar isso.” De vez em quando aparece umas coisas assim, então é saber filtrar mesmo.

Jornalismo: praga ou salvação?

Potter: Salvação. Óbvio que o jornalismo em si não pode ser uma praga, mas a comunicação pode. Temos vários exemplos na história da humanidade, onde a comunicação serviu como praga. O jornalismo tem muitos defeitos, acho que o jornalismo está cada vez ativista e isso é um problema porque jornalismo não é ativismo. Geralmente, na faculdade a gente cria uma ideia, de que a gente vai salvar o mundo. Isso é uma coisa patética de se pensar. O jornalismo não salva o mundo. O jornalismo mostra como o mundo tá, para então a sociedade salvá-lo. Então, jornalista não é herói, esse é um pensamento completamente errado.

A pessoa entra no mercado de trabalho com essa cabeça, querendo fazer ativismo e muito mais atrapalha do que ajuda. Porque também tem outro mito, o da imparcialidade, escolher um assunto pra falar já é quebrar com a imparcialidade. O legal do jornalismo é que se pode dar holofotes para vozes que não tem holofotes. Isso é uma coisa muito bonita. O jornalismo é sim um destruidor de monstros, é sim um destruidor de gigantes, ele pode fazer isso, mas esses monstros são destruídos pelos jornalistas não com ativismo e sim com jornalismo. É o jornalismo que destrói e não é o ativismo. É o jornalismo bem feito, é a descoberta, é a falcatrua sendo relevada, é ali que o monstro é destruído, é ali que o filho da puta é pego. Não é com uma bandeira, é com bloquinho e caneta, com um gravador, uma câmera, uma boa edição, um bom conjunto de palavras, é assim que o jornalismo “salva o mundo”. Mas ele não existe pra isso, existe pra contar pra sociedade “olha, aqui existem alguns documentos contando que esse personagem aqui, que comanda o dinheiro público, que pode construir hospital, uma escola, é um filho da puta. Tá aqui o que nós catamos, agora vocês pensem, reflitam e vejam o que podem fazer”, porque não é o jornalismo que julga esse é o papel do direito, quem toma as decisões é o direito. Então, quando o jornalismo é bem feito, ele é uma dádiva, de verdade.

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